Arquivo de dezembro de 2020

Publicado por Marçal Justen Filho em 16.12.2020 às 16:54

JOTA – A nova Lei de Licitações e a ilusão do ‘governo dos seres humanos’

Marçal Justen Filho – Coluna Publicistas

Se uma lei não funciona, o problema é a própria lei

Consumou-se mais um capítulo na tragédia do direito das contratações públicas no Brasil: foi aprovada a nova Lei de Licitações.

Por que tragédia? Porque prevalece a crença de que a “lei é boa, o problema são os seres humanos”. Especialmente no tocante às contratações públicas. Muitos defendem que a Lei 8.666 é um diploma excelente, cuja insuficiência é consequência de alguns agentes (públicos e privados) corruptos e incapazes. Pensam que, “se as pessoas mudarem, desaparecerão os problemas das contratações administrativas!”.

Ora, a Civilização exige o governo das leis, não dos seres humanos. A tragédia é a falta de compreensão de que, se uma lei não funciona, o problema é a própria lei. Não é possível mudar os seres humanos.

A tragédia reside em que a alteração da lei não eliminará os problemas e o Brasil vai manter a trajetória de desperdício de recursos públicos.

E como falar em nova Lei de Licitações? O projeto aprovado é uma composição  de dispositivos das Leis 8.666, 10.520 e 12.462, incrementada com a incorporação da jurisprudência do TCU, norteada pela compulsão da tutela ao interesse público. A nova Lei amplia a burocracia, multiplica os controles e exige novas e maiores formalidades.

Uma breve imagem da nova Lei: o art. 5° consagrou VINTE E DOIS princípios norteadores da licitação. A Lei 8.666 se contentara com oito. Alguém imagina seriamente que acrescentar catorze princípios vai resolver o problema?

O pior são as soluções de boa-vontade, cujos efeitos práticos podem ser muito nocivos. Por exemplo, as propostas inferiores a 75% do valor orçado (que é sigiloso) serão consideradas como inexequíveis. Isso cria um magnífico incentivo à corrupção: quem souber o valor orçado pela Administração, formulará a proposta vencedora. Quanto vale a informação?

Outro exemplo: o seguro-garantia continuará em vigor mesmo se o prêmio não tiver sido pago. Qual seguradora se disporá a fornecer seguro-garantia em tais condições? Quais os efeitos sobre os custos do seguro?

Não há respostas para essas indagações porque a nova Lei pressupõe que os operadores serão pessoas sérias e honestas. É a preservação da nossa desgraça nacional.

Não significa que a Lei não contemple inovações positivas. O problema é o defeito de modelo da Lei, que mantém as concepções do século passado. Os aperfeiçoamentos não resolverão as dificuldades estruturais das contratações públicas.

Como disse o famoso censor do Direito brasileiro, o pior é adiar por trinta anos a perspectiva de uma lei de licitações decente.

Uma lei decente reconheceria a ineficácia de soluções mirabolantes, a insuficiência da boa vontade do legislador e a irrelevância do agravamento das sanções. Reconheceria que os seres humanos são falhos e imperfeitos e buscaria a solução mais simples: a efetiva abertura do mercado público para a competição.

Até que isso ocorra, o nosso compromisso é tentar fazer funcionar no futuro aquilo que falhou no passado. Quantos esforços e recursos desperdiçados!

Texto veiculado no JOTA, em 15.12.2020

Disponível em: https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/publicistas/a-nova-lei-de-licitacoes-e-a-ilusao-do-governo-dos-seres-humanos-15122020

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