JOTA – Magazine Luiza: um caso lamentável. Independência funcional exige responsabilidade

É preciso criar uma governança interna capaz de limitar a independência pessoal e preservar a independência da instituição

Uma das conquistas do Direito brasileiro é a ampla tutela dos interesses difusos. Há muitos instrumentos para isso e foi assegurada legitimidade de agir a diversas instituições públicas e privadas. Em geral, os agentes públicos atuam em regime de “independência funcional”. Cada sujeito dispõe de discricionariedade no exercício dessa competência, sem limitação externa.

Esse é um modelo democrático, mas que gera distorções, tal como tem sido demonstrado pela experiência.

O caso “Magazine Luiza” é emblemático. Um defensor público promoveu ação judicial para responsabilizar empresa privada que implementou iniciativa de política afirmativa. Pleiteou a condenação da ré a indenização de dez milhões de reais. A ação judicial foi ajuizada sob invocação da independência funcional. Um agente público deliberou individualmente desencadear um processo judicial orientado a obter decisão extremamente severa.

Alguém diria que o acesso ao Poder Judiciário é uma garantia constitucional e que, se improcedente, o pedido será rejeitado. Mas a universalidade da jurisdição é apenas uma faceta da questão.

O problema imediato recai sobre a empresa ré. Tal como milhares de outras pessoas jurídicas e físicas, a empresa passou a se subordinar a constrangimentos inúmeros e a custos relevantes. Essas ações judiciais produzem ônus sociais, econômicos e administrativos para as empresas privadas. Geram desgaste. Ampliam a malfadada insegurança jurídica. Produzem incentivos negativos. É plausível que outras empresas evitem adotar iniciativas semelhantes. O aparelho jurisdicional também é sobrecarregado.

A independência funcional destina-se a impedir interferência externa sobre a ação dos agentes encarregados da defesa da sociedade. Não é instrumento para idiossincrasias pessoais.

Não pode ser confundida com exercício de elucubrações individuais. A Defensoria Pública e o Ministério Público (tal como o Tribunal de Contas) exercem “função pública”. É vedado confundir o interesse coletivo com as inclinações subjetivas personalíssimas. Invocar o interesse público não é suficiente para legitimar a atuação do agente público – tal como consta de qualquer petição inicial de ação civil pública.

A Defensoria Pública e o Ministério Público são mantidas com recursos públicos. Ações judiciais não produzem despesas para os membros da categoria. Mas isso não significa que a sua atuação não tenha custos. Há custos diretos para os cofres públicos. E outros, indiretos, suportados pelas empresas rés. Esses custos são transferidos para o contribuinte e para o consumidor final.

Se os interesses dos cidadãos são repetidamente ignorados pelos agentes públicos, é necessário alterar o sistema jurídico. É preciso criar uma governança interna capaz de limitar a independência pessoal e preservar a independência da instituição, evitando assim que meros voluntarismos atentem contra os limites da função pública. O episódio do Magazine Luiza é a oportunidade para iniciar essa discussão.

Texto veiculado no JOTA, em 13.10.2020

Disponível em: https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/publicistas/magazine-luiza-independencia-funcional-13102020



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