Publicado por Marçal Justen Filho em 13.04.2021 às 19:35
IAP – NOVA LEI DE LICITAÇÕES E SEUS ASPECTOS POSITIVOS
Em 13.4.2021, Marçal Justen Filho palestrou em evento promovido pelo IAP sobre o tema “Nova Lei de Licitações e seus aspectos positivos”.
Publicado por Marçal Justen Filho em 13.04.2021 às 19:35
Em 13.4.2021, Marçal Justen Filho palestrou em evento promovido pelo IAP sobre o tema “Nova Lei de Licitações e seus aspectos positivos”.
Publicado por Marçal Justen Filho em 19.03.2021 às 19:26
Marçal Justen Filho palestrou, em 19.3.2021, sobre “A Arbitragem no relacionamento entre a Administração Pública e Sujeitos Privados”, no Seminário Digital Internacional de Direito Administrativo em homenagem ao catedrático Tomás Ramón Fernández, promovido pelo IIEDE.
Publicado por Marçal Justen Filho em 12.03.2021 às 19:08
Em 11.3.2021, Marçal Justen Filho proferiu aula no Curso de Capacitação EAD da Escola Superior do Ministério Público da União – ESMPU sobre o tema Improbidade Administrativa: temas controvertidos.
Publicado por Marçal Justen Filho em 2.03.2021 às 17:00
Marçal Justen Filho – Coluna Publicistas
A nova legislação é uma colcha de retalhos
Concordo com a advertência do Egon: devemos evitar a interpretação retroativa, que mantém para o futuro as previsões das leis revogadas. Aprovada a nova Lei de Licitações, deveremos interpretá-la sem vinculação com as leis revogadas. Mas os desafios são enormes.
Primeiro exemplo: a manutenção da vigência das leis atuais, que serão revogadas dois anos após publicada a nova Lei. Até lá, os dois sistemas normativos coexistirão. A Administração escolherá qual aplicar. Dá para imaginar a confusão?
Segundo: a manutenção do passado com nova denominação. O Projeto prevê a contratação “semi-integrada”, em que a licitação se baseia em projeto básico e o contratado elabora o projeto executivo. A Lei 8.666 admite essa solução (art. 7°, § 1°). A novidade é a institucionalização de prática nociva, com nome diverso. Quando a Administração licita objeto desconhecido, a contratação é desastrosa e muito mais onerosa. É previsível que a Administração passe a optar somente por contratação integrada (em que nem projeto básico existe) ou semi-integrada. É necessário estabelecer requisitos técnicos para a escolha, o que a Lei nova não faz.
Terceiro: a nova Lei é uma colcha de retalhos composta a partir da Lei 8.666, da Lei do Pregão, da Lei do RDC e do Decreto 7.581/2011. Um exemplo: o caput do art. 41 do Projeto dispõe sobre produto similar ao de marca. O inc. IV alude a “carta de solidariedade”. A previsão não faz sentido. O erro é identificado pela comparação com a lei anterior. O inc. IV do art. 7° da Lei do RDC autorizou, previu a carta de solidariedade. Dito art. 7° foi transcrito quase literalmente como o § 4° do art. 41 do Projeto – menos o inc. IV, que foi integrado no caput do mesmo artigo. Um defeito no copia e cola! Esse erro é identificado pela comparação entre o Projeto e a Lei do RDC. O intérprete é obrigado a consultar a legislação anterior para entender a nova Lei.
Na maior parte, o Projeto reitera as leis atuais. É uma espécie de “Consolidação das Leis de Licitação”. Como evitar a mesma interpretação adotada anteriormente quando o texto da lei nova é idêntico ao de lei precedente?
Existem inovações positivas, mas são pontuais. A melhor delas é a imposição das diretrizes de gestão por competência, de governança pública e de segregação de funções. Outra inovação relevante é o regime da invalidação dos atos e contratos.
Cabe aos intérpretes transformar essa colcha de retalhos em um conjunto ordenado, de modo a que os atributos da totalidade condicionem a interpretação de cada dispositivo. A dificuldade reside na ausência de uma identidade própria, de uma filosofia norteadora, de um conjunto de concepções sobre o relacionamento entre a Administração Pública e os particulares. É mais fácil aplicar a lei antiga, tal como se não existisse a nova.
O grande risco é as boas inovações da Lei acabarem ignoradas em virtude da inércia burocrática. Nós, intérpretes, teremos de nos esforçar para evitar isso.
Texto veiculado no JOTA, em 2.3.2021
Disponível em: https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/publicistas/lei-de-licitacoes-direito-publicistas-02032021Publicado por Marçal Justen Filho em 16.02.2021 às 16:59
Marçal Justen Filho – Coluna Publicistas
Gestão por competências, governança pública e segregação de funções podem ser avanços
O projeto da Lei de Licitações obriga a implantação da gestão por competências (art. 7°), da governança pública (art. 11, parágrafo único) e da segregação de funções (art. 7°, § 1°) nas licitações e contratações.
A gestão por competências exige definir as atribuições de cada função administrativa, os atributos exigidos para o seu desempenho e os parâmetros para avaliação de seu ocupante. A ausência de gestão por competências é um defeito generalizado da Administração brasileira. A gestão por competências promove a eficiência na seleção de agentes públicos, eleva a qualidade dos serviços administrativos e torna viável a avaliação de desempenho dos agentes públicos.
A governança das contratações impõe a identificação dos riscos e vulnerabilidades, a adoção de mecanismos de controle interno e a implantação de um ambiente de integridade.
A segregação de funções, uma decorrência da gestão por competências e da governança pública, consiste na atribuição de funções complementares e conexas a agentes públicos distintos. Evita acumulação de atribuições diversas por um único agente.
Essas inovações introduzem mecanismos de freios e contrapesos na estrutura interna da própria Administração Pública. Ampliam a eficácia do controle e reduzem o risco de desvios. São providências de natureza preventiva, diminuindo a necessidade de ações repressivas. Reforçam a moralidade e a eficiência e produzem segurança jurídica. Dão início a uma efetiva reforma administrativa.
O sucesso na implantação dessas inovações depende necessariamente do comprometimento da autoridade superior. É impossível agentes hierarquicamente subordinados reformarem o serviço público sem a atuação decisiva dos seus superiores.
No âmbito federal, a gestão por competências já constava do Decreto Federal 5.707/2006 e foi mantida pelo Decreto 9.991/2019. A Res. 111/2010 do CNJ também seguiu a mesma trilha. Mas essas determinações não eram dotadas de eficácia vinculativa obrigatória e não foram implantadas de modo generalizado.
Isso mudará com a nova Lei, que determina compulsoriamente a implantação das novas práticas. A autoridade máxima do órgão ou entidade terá o dever jurídico de implantar efetivamente as novas práticas e a sua omissão configurará grave infração administrativa. A omissão reprovável na implantação dessas providências fundamenta a responsabilização da autoridade superior pelos casos de corrupção e ineficiência. Não se trata de responsabilidade objetiva, mas de infração culposa ao dever de diligência.
O desafio dos órgãos de controle administrativo será conduzir as autoridades superiores a aplicarem as inovações de modo efetivo.
Gestão por competências, governança pública e segregação de funções são providências indispensáveis para elevar a eficiência e a qualidade das licitações e contratações. Se essas inovações forem efetivamente implantadas, será promovida uma grande reforma administrativa. Então, a nova Lei de Licitações terá valido a pena, apesar de tantos outros defeitos.
Texto veiculado no JOTA, em 16.2.2021
Disponível em: https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/publicistas/nova-lei-de-licitacoes-e-reforma-administrativa-16022021Publicado por Marçal Justen Filho em 16.12.2020 às 16:54
Marçal Justen Filho – Coluna Publicistas
Se uma lei não funciona, o problema é a própria lei
Consumou-se mais um capítulo na tragédia do direito das contratações públicas no Brasil: foi aprovada a nova Lei de Licitações.
Por que tragédia? Porque prevalece a crença de que a “lei é boa, o problema são os seres humanos”. Especialmente no tocante às contratações públicas. Muitos defendem que a Lei 8.666 é um diploma excelente, cuja insuficiência é consequência de alguns agentes (públicos e privados) corruptos e incapazes. Pensam que, “se as pessoas mudarem, desaparecerão os problemas das contratações administrativas!”.
Ora, a Civilização exige o governo das leis, não dos seres humanos. A tragédia é a falta de compreensão de que, se uma lei não funciona, o problema é a própria lei. Não é possível mudar os seres humanos.
A tragédia reside em que a alteração da lei não eliminará os problemas e o Brasil vai manter a trajetória de desperdício de recursos públicos.
E como falar em nova Lei de Licitações? O projeto aprovado é uma composição de dispositivos das Leis 8.666, 10.520 e 12.462, incrementada com a incorporação da jurisprudência do TCU, norteada pela compulsão da tutela ao interesse público. A nova Lei amplia a burocracia, multiplica os controles e exige novas e maiores formalidades.
Uma breve imagem da nova Lei: o art. 5° consagrou VINTE E DOIS princípios norteadores da licitação. A Lei 8.666 se contentara com oito. Alguém imagina seriamente que acrescentar catorze princípios vai resolver o problema?
O pior são as soluções de boa-vontade, cujos efeitos práticos podem ser muito nocivos. Por exemplo, as propostas inferiores a 75% do valor orçado (que é sigiloso) serão consideradas como inexequíveis. Isso cria um magnífico incentivo à corrupção: quem souber o valor orçado pela Administração, formulará a proposta vencedora. Quanto vale a informação?
Outro exemplo: o seguro-garantia continuará em vigor mesmo se o prêmio não tiver sido pago. Qual seguradora se disporá a fornecer seguro-garantia em tais condições? Quais os efeitos sobre os custos do seguro?
Não há respostas para essas indagações porque a nova Lei pressupõe que os operadores serão pessoas sérias e honestas. É a preservação da nossa desgraça nacional.
Não significa que a Lei não contemple inovações positivas. O problema é o defeito de modelo da Lei, que mantém as concepções do século passado. Os aperfeiçoamentos não resolverão as dificuldades estruturais das contratações públicas.
Como disse o famoso censor do Direito brasileiro, o pior é adiar por trinta anos a perspectiva de uma lei de licitações decente.
Uma lei decente reconheceria a ineficácia de soluções mirabolantes, a insuficiência da boa vontade do legislador e a irrelevância do agravamento das sanções. Reconheceria que os seres humanos são falhos e imperfeitos e buscaria a solução mais simples: a efetiva abertura do mercado público para a competição.
Até que isso ocorra, o nosso compromisso é tentar fazer funcionar no futuro aquilo que falhou no passado. Quantos esforços e recursos desperdiçados!
Texto veiculado no JOTA, em 15.12.2020
Disponível em: https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/publicistas/a-nova-lei-de-licitacoes-e-a-ilusao-do-governo-dos-seres-humanos-15122020Publicado por Marçal Justen Filho em 26.11.2020 às 18:30
Marçal Justen Filho – Coluna Publicistas
Como a implantação do blockchain afetará os procedimentos administrativos
A Constituição e as leis impõem a prática pela Administração de um procedimento. Isso significa a sucessão predeterminada de atos, logicamente compatíveis entre si, de modo a evitar o arbítrio e o improviso. A evolução do procedimento produz a redução progressiva da autonomia decisória. A validade da decisão administrativa final depende da sua compatibilidade com os eventos anteriores.
No mundo real, a observância do procedimento é mais aparente do que efetiva. Há casos em que todos os atos são produzidos simultaneamente. Em outros, a autoridade decide sem qualquer procedimento. A determinação legal de um procedimento formal é mais um exemplo de ineficácia do direito administrativo.
Mas essa situação pode ser alterada em vista dos recursos tecnológicos, especialmente do blockchain.
Blockchain é um protocolo que conjuga a criptografia, o arquivamento de atos em número indeterminado de computadores e a exigência de vínculo entre o ato posterior e o anterior. Isso gera uma “corrente” indissociável de arquivos, um bloco encadeado de atos… ou seja, um procedimento!
Em termos práticos, a existência do blockchain significa que um novo ato somente será completado se estiver encadeado com o ato anterior. Todos são objeto de criptografia indecifrável e arquivados em computadores ao redor do mundo. Ninguém consegue eliminar nem alterar atos consumados. Anote-se que a tecnologia do blockchain está disponível no mercado e a sua utilização não envolve maiores dificuldades.
A generalização da formalização eletrônica para a atividade administrativa permite a aplicação do protocolo de blockchain. Significa que a sucessão encadeada de atos, típica do instituto do procedimento, será institucionalizada na dimensão digital. Mas isso se fará de modo compulsório, com a eliminação de desvios, falhas ou inovações arbitrárias. Cada ato administrativo inicial desencadeará um bloco encadeado de arquivos. A prática do ato posterior dependerá do vínculo com o anterior.
Isso permitirá identificar a data e a autoria de cada ato, inviabilizando o acréscimo superveniente das informações essenciais e a tentativa de correção a posteriori de eventuais defeitos ou insuficiências. Nenhuma decisão final será produzida sem a preexistência de um procedimento, entendida a expressão tanto na acepção jurídica como tecnológica.
A repercussão dessas inovações será significativa, impondo a observância compulsória da disciplina legal e facilitando o controle quanto à regularidade da atuação dos agentes estatais e sujeitos privados. Contribuirá com a transparência e tempestividade.
O grande obstáculo consiste na resistência dos órgãos administrativos quanto à implantação de procedimentos eletrônicos. No âmbito do judiciário, o processo eletrônico prevalece amplamente. Isso nem sempre ocorre na Administração. É necessário implantar as novas tecnologias, especialmente quando relevantes para o cumprimento das garantias constitucionais.
Texto veiculado no JOTA, em 26.11.2019
Disponível em: https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/publicistas/a-tecnologia-realizara-a-promessa-que-o-direito-administrativo-nao-cumpriu-26112019Publicado por Marçal Justen Filho em 5.11.2020 às 10:33
Marçal Justen Filho participou do XXXIV Congresso Brasileiro de Direito Administrativo, em 4.11.2020, promovido pelo Instituto Brasileiro de Direito Administrativo – IBDA em parceria com a AASP. O tema da palestra proferida foi “Perfil e limites da atividade de controle: as lições da pandemia”.
Publicado por Marçal Justen Filho em 4.11.2020 às 18:38
O STJ está prestes a decidir sobre um tema que definirá se ele continua a ser o tribunal da estabilidade e confiabilidade dos marcos regulatórios do país — ou se assumirá o risco de abrir as portas para a insegurança jurídica no setor de infraestrutura [1].
No julgamento do Agravo Regimental na Suspensão de Liminar e de Sentença nº 2.792/RJ, a Corte Especial do STJ se pronunciará sobre se as concessões de obras e serviços públicos — rodovias; ferrovias; água e saneamento; gás canalizado; energia elétrica; aeroportos etc. — podem ser livremente retomadas pelos poderes públicos.
A questão de fundo é simples: lei municipal autorizou a encampação dos serviços concedidos. Ao invés de indenização em dinheiro, a prefeitura ofereceu bens públicos em garantia e remeteu a apuração da indenização a futura prova pericial. Assim, se autoatribuiu a ordem de encampação imediata, postergando a indenização, que deveria ser prévia, para uma data futura e incerta.
Mas o processo de encampação é regido pela Lei Geral de Concessões, a Lei nº 8.987/1995. Seu artigo 37 determina que o serviço pode ser retomado, desde que atendidas as seguintes condições: 1) lei autorizativa expressa; e 2) prévio pagamento de indenização. O pagamento da prévia indenização exige a plena “indenização das parcelas dos investimentos vinculados a bens reversíveis, ainda não amortizados ou depreciados” (Lei nº 8.987/1995, artigo 36).
Perante a Justiça estadual, a encampação fora suspensa para que se decidisse antes o valor da indenização — e de sua liquidação. Em liminar na SLS nº 2.792/RJ, o presidente do STJ entendeu que as irregularidades na execução do contrato seriam tamanhas que a “defesa do bem comum” autorizaria a imediata encampação. Isso sem se pronunciar sobre o pagamento da indenização exigida em lei.
Esse é o cenário de fundo, que autoriza muitos temas para o debate. Selecionamos três deles: 1) a contrariedade da decisão face à LINDB; 2) os contratos de concessão como negócios jurídicos de investimento de longo prazo; e 3) a encampação e respectiva liquidez da indenização prévia.
Os artigos 20 e 21 da LINDB vedam decisões de autoridades públicas que se baseiem unicamente em valores abstratos. Elas devem, diz a lei, levar em conta — como condição de validade — suas “consequências práticas”.
Não nos parece possível deixar de lado a LINDB em qualquer hipótese. Mesmo nos casos de suspensão de liminar, é imprescindível analisar o caso concreto e as efetivas consequências que a decisão gerará. O direito não incide no vazio normativo puro, mas na vida real. Especialmente porque casos como o ora analisado possuem desdobramentos em outros tantos, instalando incentivos ou desestímulos a todos aqueles que cogitem fazer investimentos em projetos de interesse público. O que nos traz o segundo tema.
Contratos de concessão de serviço público não envolvem desembolso de verbas públicas (ao contrário do que se passa nas empreitadas de obras), mas investimentos privados de longo prazo. O edital de licitação convoca investidores a fazerem aportes significativos de recursos privados em obras e serviços públicos, geralmente nos primeiros anos de contrato. Em contrapartida, a lei garante que tais investimentos sejam remunerados ao longo do contrato.
Num cenário deste tipo, a segurança jurídica é peça-chave: se os investidores tiverem dúvidas quanto ao cumprimento dos seus contratos e à possibilidade de terem os seus investimentos remunerados ao longo do tempo, eles evitarão participar das licitações. Ou cobrarão preço mais elevado. Isso acarreta o sacrifício do “bem comum”, traduzido em mais investimentos, melhores serviços e na prestação adequada de serviços de interesse coletivo.
Daí por que a lei previu condições fechadas e rigorosas para a hipótese extraordinária de encampação. Se o poder público decidir por retomar a concessão, haverá de ser autorizado para tanto pelo legislativo (requisito político) e precisará promover a indenização prévia do concessionário (requisito econômico-financeiro). E, quando a lei exige pagamento anterior à encampação, o intérprete não pode ler “pagamento a ser definido no futuro, mas garantido por bens públicos inalienáveis”.
Se for possível encampar sem prévia e justa indenização, o contrato de concessão se transformaria num jogo com regras aleatórias. A depender do governante, a concessão seria extinta no dia seguinte à posse — e a prova pericial, que dura décadas, seria garantida por bens que não podem ser transferidos às pessoas privadas.
Ou seja, nas próximas licitações, não haverá interessados. Ou, pior: apenas acudirão aventureiros, que não se preocupam com o dia de amanhã em contratos que perdurarão por mais de 20 anos. E os governantes ímprobos serão estimulados a fazer negócios escusos, invocando a ameaça de encampar e não pagar coisa alguma a quem quer que seja. Quem, em sã consciência, investiria em contratos com esse grau de insegurança?
Por fim, o terceiro assunto é apenas o desdobramento do segundo. Se a lei fala em prévia indenização, ela necessita ser líquida e certa. A encampação é uma decisão pública que, para ser exercitada, exige que a indenização seja apurada e paga. Não se admite submetê-la ao regime de discussão judicial e precatórios. Determinar o valor da indenização em perícia posterior à encampação significa que ela não será prévia.
Em suma, o STJ não irá julgar um caso isolado. Irá decidir o futuro dos investimentos privados em infraestrutura no Brasil. Manter a decisão da Prefeitura do Rio de Janeiro significa colocar fim nos programas de concessão, parceria e contratações públicas. Decisões pretéritas do STJ sobre incolumidade de tarifas, reequilíbrio contratual ou arbitragem nestes contratos foram responsáveis em grande parte pelo sucesso desses programas. Será trágico se o próprio Tribunal da Cidadania puser tudo isso a perder.
[1] Os autores pedem licença para cumprir com o dever de revelação: além de professores de Direito Administrativo e Direito Econômico, todos são — ou foram — advogados de concessionárias de serviços públicos (nenhum deles atua no caso concreto). Inclusive, um deles proferiu parecer técnico imparcial no caso em análise, com exame e argumentos próprios (que aqui não foram reproduzidos). As ideias trazidas a debate não são novas nem inéditas em sua bibliografia, mas constam de livros e artigos acadêmicos escritos pelos autores, quando menos desde 1997.
Disponível em: https://www.conjur.com.br/2020-nov-04/opiniao-ou-nao-seguranca-juridica-concessoes-brasileirasPublicado por Marçal Justen Filho em 13.10.2020 às 18:12
É preciso criar uma governança interna capaz de limitar a independência pessoal e preservar a independência da instituição
Uma das conquistas do Direito brasileiro é a ampla tutela dos interesses difusos. Há muitos instrumentos para isso e foi assegurada legitimidade de agir a diversas instituições públicas e privadas. Em geral, os agentes públicos atuam em regime de “independência funcional”. Cada sujeito dispõe de discricionariedade no exercício dessa competência, sem limitação externa.
Esse é um modelo democrático, mas que gera distorções, tal como tem sido demonstrado pela experiência.
O caso “Magazine Luiza” é emblemático. Um defensor público promoveu ação judicial para responsabilizar empresa privada que implementou iniciativa de política afirmativa. Pleiteou a condenação da ré a indenização de dez milhões de reais. A ação judicial foi ajuizada sob invocação da independência funcional. Um agente público deliberou individualmente desencadear um processo judicial orientado a obter decisão extremamente severa.
Alguém diria que o acesso ao Poder Judiciário é uma garantia constitucional e que, se improcedente, o pedido será rejeitado. Mas a universalidade da jurisdição é apenas uma faceta da questão.
O problema imediato recai sobre a empresa ré. Tal como milhares de outras pessoas jurídicas e físicas, a empresa passou a se subordinar a constrangimentos inúmeros e a custos relevantes. Essas ações judiciais produzem ônus sociais, econômicos e administrativos para as empresas privadas. Geram desgaste. Ampliam a malfadada insegurança jurídica. Produzem incentivos negativos. É plausível que outras empresas evitem adotar iniciativas semelhantes. O aparelho jurisdicional também é sobrecarregado.
A independência funcional destina-se a impedir interferência externa sobre a ação dos agentes encarregados da defesa da sociedade. Não é instrumento para idiossincrasias pessoais.
Não pode ser confundida com exercício de elucubrações individuais. A Defensoria Pública e o Ministério Público (tal como o Tribunal de Contas) exercem “função pública”. É vedado confundir o interesse coletivo com as inclinações subjetivas personalíssimas. Invocar o interesse público não é suficiente para legitimar a atuação do agente público – tal como consta de qualquer petição inicial de ação civil pública.
A Defensoria Pública e o Ministério Público são mantidas com recursos públicos. Ações judiciais não produzem despesas para os membros da categoria. Mas isso não significa que a sua atuação não tenha custos. Há custos diretos para os cofres públicos. E outros, indiretos, suportados pelas empresas rés. Esses custos são transferidos para o contribuinte e para o consumidor final.
Se os interesses dos cidadãos são repetidamente ignorados pelos agentes públicos, é necessário alterar o sistema jurídico. É preciso criar uma governança interna capaz de limitar a independência pessoal e preservar a independência da instituição, evitando assim que meros voluntarismos atentem contra os limites da função pública. O episódio do Magazine Luiza é a oportunidade para iniciar essa discussão.
Texto veiculado no JOTA, em 13.10.2020
Disponível em: https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/publicistas/magazine-luiza-independencia-funcional-13102020Justenfilho.com.br © Todos os direitos reservados a Marçal Justen Filho